01/10/2013

Traição (Parte III) - O Traído

- Jota
O conhaque desceu goela abaixo e a queimação trouxe de volta as dores da única paixão da minha vida, aquela dor que machuca menos pela lembrança e mais pela frustração de não tê-la vivido do jeito que era pra ter sido.

Eu gostava especialmente do jeito que ela me olhava. Era um olhar que penetrava a alma e fazia o sangue correr mais rápido. Quando ela me tocava, o sol deixava seu trono no céu e se instalava atrás dos olhos da minha menina, acalmando meu coração. Sua alma era doce, como de um anjo. Certo dia, um acidente de carro fez com que suas asas desabrochassem e ela partisse sem rumo pela imensidão do céu.

Desde então não fui mais o mesmo.





O roçar da pele dela na minha anestesiou-me por completo e nunca mais houve outro toque do qual pudesse substituir o da minha menina. Não havia uma vez sequer sem que eu fechasse os olhos e novamente tivesse a visão do seu sorriso. Ela se instalou em mim, tatuada no meu corpo e presente constantemente nos meus pensamentos.

Os anos se passaram e nada arrancou ela de mim. Casei-me, motivado pela pressão de dar uma nova chance para o amor e tentar ser feliz. Seria mentira dizer que não vivi coisas boas ao lado desse novo anjo, mas pouco fui o homem que ela merecia e isso não me afetava de forma alguma. Eu sabia que ela me traía. 

Na verdade, não considero sua atitude uma traição. Porque não deixar com que ela tente achar o amor que não teve, a paixão que eu não ofereci e a atenção que pouco me importei em dar?

Vez em quando o telefone tocava e as palavras que eu dirigia a minha esposa estavam engasgadas desde que meu anjo partiu. Era pra ela que eu dizia palavras doces, que vinham da saudade e do aperto de não tê-la perto de mim novamente, não para a minha esposa.

Parei um pouco pra refletir e cheguei à conclusão de que, diferente dela que me traía com o corpo, eu estava lhe traindo com os meus pensamentos. Tomei mais um gole de conhaque pra esquecer tudo isso.

Acho desnecessária essa coisa do autor falar a conclusão do texto e não deixar isso a cargo do leitor, mas hoje não vou seguir essa regra. Com esse conto minha intenção foi fazer com que as pessoas percebessem que, por trás de toda atitude diabólica e pecaminosa, há alguém motivado em simplesmente amar e viver um grande amor. Não estou justificando a traição, mas porque não tentarmos deixar de sermos egoístas e passar a procurar dar e ser o amor de verdade pra alguém?

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