04/06/2014

Resenha - The Normal Heart: conflitos sociais e crítica aos relacionamentos homoafetivos

Uma onda de consciência pelos direitos individuais e coletivos invadiu a sociedade brasileira nesses últimos dois anos - pelo menos é o que se entende quando levado em consideração o número de pessoas que participam de cada protesto no país. Felizmente, ir a público e lutar pelos seus ideais já acontecia há décadas, em especial por um caso particular e que verdadeiramente trouxe mudanças. Motivo? A descoberta de uma doença que matou dezenas de pessoas em pouquíssimo tempo e que se espalhava rapidamente: a AIDS.



Essa temática é abordada no longa “The Normal Heart”, lançado pela HBO filmes no final do mês passado. Ned Weeks, personagem de Mark Ruffalo (ator conhecido por interpretar o incrível Hulk), é escritor e homossexual assumido. Entre festas, sexo ilícito, álcool e drogas, a comunidade gay dos Estados Unidos foi afetada por uma doença misteriosa, causadora de manchas negras na pele e responsável por baixar a imunidade do portador. Já incomodado com o avanço do número de pessoas contaminadas e o descaso do Governo em tentar abafar a descoberta da doença, Weeks tenta mostrar a sociedade o que de fato está acontecendo com os gays, até que o caso vira pessoal quando seu namorado Felix (Matt Bomer) é diagnosticado com a enfermidade até então misteriosa.

O caso dos gays era estudado por apenas uma médica da época, Emma Brokner (interpretada pela incrível Julia Roberts), que intitulou a doença de “câncer gay”. Sua orientação era que os homossexuais parassem de manter relações por um tempo, até que ela ou outros médicos que de dispusessem a investigar o caso encontrassem a forma de tratamento. Os homossexuais se opuseram a essa ideia, alegando a propagação do preconceito e limitação aos prazeres da vida. A partir de então se deu início a uma série de conflitos sociológicos acerca dessa questão.

Além das causas sociais, a lógica dos relacionamentos homossexuais é outro ponto crítico do filme. Há verdadeiro amor entre dois homens? Até que ponto o gay está disposto a se preocupar e cuidar do parceiro, sem que o sexo sustente a relação? Essas perguntas são respondidas negativamente e positivamente no roteiro, da maneira mais cruel, sustentando o drama e deixando a resposta por conta do expectador. Ser gay naquela época tornou-se ainda mais difícil por causa da doença.

The Normal Heart se estabelece como uma construção do gênero drama pouco explorada no cinema. É possível acompanhar não só os conflitos de um personagem principal, como são tradicionais nos filmes dessa temática, mas de toda a gama social na qual ele, o personagem, está inserido, gerando assim outros dramas individuais possíveis de serem acompanhados – o que, logicamente, dá mais dinâmica ao roteiro, tendo que se prender a todos os ângulos da história.

A peça com o mesmo título e que foi base do filme, fez grande sucesso e rendeu um Tony de Melhor Ator Coadjuvante para Ellen Barkin e John Benjamin Hickey, além das indicações de Melhor Diretor e Melhor Ator. O texto, inclusive, teve várias adaptações fora da Broadway, em Londres e Los Angeles, nos anos 1980.

Um comentário:

Unknown disse...

"The Normal Heart"(EUA,dir.Ryan Murphy, 2014), que acabo de assistir,um filme sobre a gênese da AIDS/HIV na Nova Iorque dos anos 1980 é uma das experiências estéticas mais contundentes que tive em minha vida.

Baseado numa peça teatral escrita por Larry Kramer em1985, nos narra as lutas políticas sobre o então "câncer gay". Os regimes de verdade produzidos sobre a epidemia; as dificuldades da comunidade gay em abdicar de sua liberdade sexual tão duramente construída, em prol da contenção da doença; a negligência do poder público diante da questão proposta pelas lideranças gays protagonistas do filme.

É preciso sublinhar que "naquele momento histórico, silêncio, armário e vergonha significavam morte", lembra o diretor, a partir das conversas que teve com o roteirista Larry Kramer, que fez a obra com tons assumidamente biográficos.A atuação do Comitê da Crise da Saúde dos Homens Gays, fruto dos movimentos sociais pelos direitos civis homossexuais estadunidenses na década de 1980.

"Os tempos mudaram, mas a discussão sobre a epidemia global da Aids é ainda tão importante e contemporânea quanto o debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a luta por termos, todos nós, o direito de sermos amados e aceitos como cidadãos, independentemente da afetividade sexual. A História provou que Larry estava certo. De herético, ele se transformou em um dos heróis do movimento pelos direitos civis dos gays nos EUA", nos diz Murphy."

"The Normal Heart" é uma sequência de imagens sobre a vida, a morte, a vulnerabilidade, o governo e os governamentos dos corpos, da saúde coletiva ... mas também dos silêncios, dos "armários" que sujeitam, das lutas dos movimentos sociais e as tensões dentro dos próprios grupos societários com "identidade" de gênero e de orientação sexual... não bastasse tudo isso, é uma bela narrativa sobre o amor que OUSA dizer seu nome, fazendo um trocadilho com a célebre citação de Oscar Wilde.